Raízes
por Samara Assunção

Transcrição do áudio:

Território: segundo o google, área delimitada sob a posse de um animal, de uma pessoa, de uma organização ou de uma instituição.

Posse.

O território não é simplesmente um pedaço de terra, existe uma relação de posse, a delimitação de um território se baseia em uma ressignificação de um espaço.

E me permitam, em minha licença poética, converter a posse em pertencimento.

Eu não possuo um território, eu pertenço a ele e assim me identifico com o que ele me oferece. É uma troca.

O território pode ser um país, uma cidade, comunidade ou até mesmo sua casa, e numa extensão lírica, o seu próprio corpo.(coração batendo).

Eu venho de um lugar chamado Rua Nova. Um dos Quilombos urbanos da cidade princesa Feira de Santana, portal do sertão da Bahia.

E Eu me chamo Samara Assunção, sou uma mulher preta de pele clara. Devo dizer que nem sempre eu me vi assim, até o reconhecimento do meu território ajudar a me entender no meu processo identitário. Mas antes de contar essa história, vou abrir um breve parêntese.

Quando se nasce preto retinto, ninguém precisa dizer com todas as palavras o que você é , você simplesmente sabe porque o mundo te lembra a todo momento, nos olhares, nas falas, em todas as nuances da sua existência.

Quando você nasce Branco a cor da sua pele sequer é uma questão.

Agora, quando a sua identidade Étnica não é de se bater o olho e saber, você se torna um grande nada, apagada, sem ancestralidade, sem identificação. Na verdade, essa é uma experiência pessoal, então falo por mim, EU por muito tempo me senti assim.

A única certeza que sempre tive é que eu não era branca, mas se eu nunca atendi a nenhum estereótipo e dificilmente eu via pessoas como eu na tv ou nas mídias que me ajudassem nessa tarefa, o que eu era afinal?

A partir desse incômodo, eu resolvi buscar minhas raízes.(raízes crescendo) E uma delas foi o Lugar em que minha avó escolheu pra viver, minha mãe nasceu e eu cresci.

A terra de Dona Pomba, Zé das Congas , Noratinho da pamonha, Helena do bode, o antro da cultura, berço de bandas como sem+nem-, Jorge de Angelica, batuke da tribo e inúmeras outras, o bairro do campo do Beira Riacho, da lavagem da rua nova.

E bem, nessa imersão, eu encontrei a obra de Flávia Santana Santos: Um quilombo urbano chamado Rua Nova.

[livro sendo aberto]

O livro paradidático promove um passeio pela história local construída a partir de histórias dos sujeitos que formaram o meu bairro. A favela no meio de Feira que surgiu da generosidade da Revolucionária Ernestina Carneiro, a mulher que viveu o auge da sua vida em meados dos anos 40 e incomodou comerciantes, fazendeiros e políticos, com a ideia de ver uma fazenda tão próxima ao centro da cidade, se transformar em um lugar de negros e pobres, mostrando uma imagem da Feira de Santana que os ricos queriam esconder.

Dona Pomba, como era conhecida, muitas vezes ouviu sua fazenda sendo chamada de lugar de nêgo e foi avisada que, se continuasse assim, as suas terras logo se tornaria uma favela, mas a mulher ignorava advertências até da própria família pra seguir abrigando pessoas boas e de procedência, “gente trabalhadora”, como ela mesma dizia.

Com o tempo, o novo caminho criado pra ir e voltar do centro da cidade o qual foi apelidado popularmente como rua nova aos poucos foi formando o quilombo que hoje é o meu território.

Depois disso não restou dúvidas. Foi conhecendo essa história, me conectando com minhas raízes, que pude enxergar o que estava na minha frente o tempo todo mas que a marca da violência, vulgo tentativa de apagamento do povo negro, insistia em não me deixar ver.

Depois que eu abri os olhos pra isso, eu nunca mais fechei.